A REGULARIDADE FISCAL É REQUISITO IMPRESCINDÍVEL PARA HOMOLOGAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL?
- ANÁLISE CONTEMPORÂNEA DA JURISPRUDÊNCIA ATENUANTE NO STJ
O Relator, Ministro Antonio Carlos Ferreira, em sede do REsp 1.955.325 publicado ontém, dia 22 de Abril de 2024, esclareceu algumas questões quanto ao tema de Recuperação Judicial, devendo nos atualizar quanto ao advento da Lei 14.112/2020 e a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. Sendo entendível que, as dívidas tributárias não são afetadas pelo processo de recuperação judicial de uma empresa. Mesmo que o plano de recuperação seja aprovado pelos credores ou mesmo que a novação (extinção da dívida) ocorra em relação a outras obrigações, as dívidas tributárias não entram nesse contexto. Além disso, o deferimento da recuperação judicial não interrompe o andamento das execuções fiscais relacionadas a essas dívidas. Ou seja, mesmo que a empresa consiga reestruturar suas dívidas por meio da recuperação judicial, ela ainda deve quitar suas obrigações tributárias separadamente.
- RESP 1.955.325 (DJe 22/04/2024) X RESP 2.053.240 (DJe 19/10/2023)
O recurso especial em análise (RESP 1.955.325) apresenta um teor semelhante ao tema abordado pelo RESP 2.053.240, o qual discute a exigência da regularidade fiscal como condição para a concessão da recuperação judicial. Este tema, como já discutido neste blog, mostra uma diferenciação em relação ao posicionamento recente do STJ. Enquanto o RESP 2.053.240 estabelece a necessidade de uma lei específica para essa exigência, não como requisito indispensável, mas como um critério condicionante, o recurso em análise enfatiza que o parcelamento do crédito tributário é um direito subjetivo do contribuinte em recuperação judicial. Desta forma, a demora na edição dessa norma específica acarreta na dispensa da apresentação das certidões de regularidade fiscal como requisito para a homologação do plano de recuperação judicial.
- ADVENTO DA LEI 14.112/2020 E SUA EFETIVIDADE
A Lei n. 14.112/2020 introduziu uma nova disciplina relacionada ao parcelamento de débitos para empresários ou sociedades empresárias em recuperação judicial. Essa lei trouxe várias medidas para facilitar a reorganização das empresas em recuperação judicial em relação aos débitos tributários. Algumas das principais medidas incluem:
i) Parcelamento do débito consolidado em até 120 meses;
ii) Utilização dos créditos decorrentes de prejuízo fiscal e base de cálculo negativa da CSLL para liquidar parte do débito, com parcelamento do saldo restante em até 84 meses;
iii) Opção de liquidar os débitos tributários por meio de outro parcelamento estabelecido por lei federal, caso seja mais vantajoso;
iv) Utilização de transação para os créditos inscritos em dívida ativa da União após o deferimento da recuperação judicial;
v) Faculdade de excluir do parcelamento os débitos que já estejam em outros parcelamentos ou que estejam em discussão judicial comprovada; e
vi) Supervisão dos atos de constrição de bens pelo juízo da recuperação, mesmo sem suspensão das execuções fiscais.
- A REGULARIDADE FISCAL COMO REQUISITO PRÉVIO PARA HOMOLOGAÇÃO DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL E NOVO ENTENDIMENTO
Adicionalmente, do recurso especial sob comento, é possível colher-se que, com o advento da lei 14.112/2020 tornou-se exigível a apresentação de certidões de regularidade fiscal para a homologação do plano de recuperação judicial, servindo, portanto, como condição para esta decretação, ope legis. No entanto, o Superior Tribunal de Justiça, especialmente pelo voto do Relator Antonio Carlos, entendeu que a não observância dessa condição, não desencadeará a Falência da empresa, mas sim a suspensão do processo, com a consequente descontinuidade dos efeitos favoráveis à recuperada, como a suspensão das execuções em seu desfavor e dos pedidos de falência.
- EXIGÊNCIA DE LEGISLAÇÃO ESPECÍFICA E APLICAÇÃO A FATOS PRETÉRITOS
Em relação às dívidas fiscais estaduais e municipais, a exigência da apresentação das certidões de regularidade fiscal como condição para a homologação do plano de recuperação judicial depende da edição de lei específica acerca do parcelamento dos tributos de sua respectiva competência, observando-se que o art. 155-A do CTN – norma geral em matéria tributária -, prevê que a inexistência de lei específica resultará na aplicação das normas gerais de parcelamento de cada ente da Federação, com a limitação de que o prazo não poderá ser inferior ao concedido pela lei federal específica.
Na hipótese de decisões homologatórias do plano de recuperação proferidas anteriormente à vigência da Lei n. 14.112/2020, aplica-se o entendimento jurisprudencial pretérito no sentido da inexigibilidade da comprovação da regularidade fiscal, forte no princípio tempus regit actum (art. 5º, XXXVI, da Constituição Federal e art. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), de forma a não prejudicar o cumprimento do plano.
- INTERPRETAÇÃO DO ART.52, II, DA LEI 11.101/05
Há um trecho no Recurso Especial, referindo-se à interpretação do artigo 52, inciso II, da Lei nº 11.101/2005, que trata da dispensa de certidões negativas para a contratação com o Poder Público ou para o recebimento de benefícios ou incentivos fiscais ou creditícios. Essa interpretação visa a mitigar a rigidez da restrição imposta pela norma, permitindo que a empresa possa manter sua atividade econômica mesmo sem apresentar essas certidões. Dessa forma, a empresa pode continuar operando e buscando oportunidades de negócios ou benefícios fiscais, mesmo que esteja em situação irregular quanto às certidões negativas.
- CONSIDERAÇÕES FINAIS
É válido mencionar que o presente recurso especial, teve seu encaminhamento ao Supremo Tribunal Federal para posterior julgamento, em sede de Recurso Extraordinário. Enquanto isso, a decisão serve de baseamento pelos seus fundamentos teóricos e jurisprudência.